terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Natal - Poesia

Chove é dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal.
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
                                                                                  Fernando Pessoa

Quando um Homem Quiser

Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão


Ary dos Santos, in 'As Palavras das Cantigas'

Último Poema

É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os dióspiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.

Eugénio de Andrade, in 'Rente ao Dizer'

Ladainha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal'

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Porque - Francisco Fanhais, poema - Sofia Mello Breyner,1958



Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

                      Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 25 de outubro de 2016

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O Peso do Coração, Rosa Montero, Porto Editora, 2015

Um romance distópico, emocionante e cheio de metáforas sobre os humanos e as consequências futuras das perigosas opções do presente. No século XXII humanos e andróides disputam o mesmo território nos Estados Unidos da Terra. O Planeta, após inúmeras catástrofes e guerras, encontra-se irreconhecível. A detetive replicante Bruna Husky é a estrela deste romance pleno de aventura e suspense.


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Leituras

Estas férias foram bastante produtivas em termos de leitura. Aqui deixo um breve resumo dos livros que li.


 Mataram a Cotovia (1960), Harper Lee (1926-2016), Edição Relógio D´Água, 2012

       Este livro é um clássico da literatura americana escrito numa linguagem simples. A narração é feita por uma criança, Scout, ao longo de vários anos da sua infância. Ficámos a conhecer as suas brincadeiras com o irmão Jem e o primo Dill, os seus vizinhos em especial o misterioso Boo Radley, o bairro e também a sua interpretação sobre a vida dos adultos. O Pai, Athicus é um advogado justo e defensor dos direitos dos negros e transmite aos seus filhos os seus valores de justiça e igualdade. 


   Assim começa o mal – Javier Mariás, Editora Alfaguara, Out. 2015

       Foi o segundo livro que li deste autor. O primeiro foi Enamoramentos, Alfaguara, Prémio Literário Europeu, 2011.
A história é-nos narrada por Juan De Vere que, decorridos 30 anos, consegue analisar os acontecimentos com uma distância de quem recorda a sua juventude.
Eduardo Muriel é um conhecido realizador de cinema, excêntrico e descrito como tendo uma pala num olho, que admite como secretário, De Vere, recém-licenciado quando este tinha 23 anos. O realizador mantém com a mulher, Beatriz Noguera, uma relação conflituosa, outrora perfeita mas que foi ensombrada por uma mentira. Juan acaba por se envolver na vida do casal e é testemunha de vários acontecimentos com ele relacionados.
Vários sentimentos estão presentes neste romance, tais como, o desejo, a culpa, o perdão, a amizade e o casamento. A acção centra-se durante o período conturbado pós Franco, nos anos 80. Os factos são narrados e vão sendo desvendados, com algum suspense, na altura certa, o que vai aumentado a curiosidade e tornam este romance bastante empolgante.


As Flores de Lótus, José Rodrigues dos Santos, Gradiva, 2011

             Mais um livro de José Rodrigues dos Santos que será, com certeza, um best seller. De fácil leitura, embora, por vezes um pouco repetitiva, a narração centra-se no início do século XX e acompanha a vida de quatro famílias, uma portuguesa, uma japonesa, uma chinesa e uma russa. Tem como ponto comum o aparecimento e desenvolvimento de sistemas totalitários como o estalinismo na Rússia, o fascismo na europa e o comunismo na China.



Um Lugar chamado Liberdade, Ken Follet, Editorial Presença 2016

         Um livro muito interessante para ler de um só fôlego. Uma história que aborda o tema LIBERDADE em várias vertentes, mas em especial, a liberdade do indivíduo. Passa-se no século XVIII e relata o trabalho nas minas de carvão, em condições sub-humanas. O protagonista Mack McAsh nunca perdeu a esperança de ser livre, nas várias circunstâncias em que viveu. Das minas de carvão na Escócia, passando pelas ruas de Londres, até às plantações de tabaco na Virgínia, Mack sempre lutou por condições de trabalho cada vez mais dignas, combatendo a prepotência dos capatazes e dos seus patrões. Encontra, ao longo do romance, uma aliada em Lizzie, uma amiga de infância por quem se apaixona.



 O Meças, J. Rentes de Carvalho, Quetzal, 2016

           Último livro de  J. Rentes de Carvalho cuja linguagem aprecio bastante porque tem muito de raiz popular e utiliza personagens oriundas do nosso povo. O Meças, alcunha de António Roque, ex-emigrante na Alemanha, personagem sinistro, violento, alucinado e desordeiro que sempre que lhe vêm à mente certas recordações do passado, se transfigura e fica capaz de praticar os mais hediondos crimes. O envolvimento da irmã com um homem abastado, ambos mortos, provoca-lhe um ódio devastador. O ódio ao filho e a cobiça da nora, são também obsessões do Meças. O desfecho da história é surpreendente, com revelações inéditas para o leitor e para o próprio Meças.

terça-feira, 14 de junho de 2016

terça-feira, 7 de junho de 2016

Na rota Queiroziana












O dia acordou cinzento e fresco
Mesmo assim, rumamos douro acima.
E por entre montanhas pintadas
Com cores de primavera
A nossa visão se deleitou…
Num colorido sonho de quimera.

E os verdes vinhedos!
Plantados de par a par
Como soldados formados
Em parada militar
Dão encanto á paisagem
De forma peculiar.

Mas, nosso destino é Tormes
Eça! A referência e paixão.
A sua obra, motivo
Da nossa deslocação.

A quinta de Vila Nova
Foi motivo e inspiração
Para Eça escrever seus livros
De cultura e ficção.

Porque as vezes ficção
É mordaz e lisonjeira
É realidade tratada
Com roupagem domingueira

A Quinta de vila nova
Tem encanto e muita história
Transformada em santuário
De objectos e memória.

Mas Tormes tem muito mais
Ambiente bem tratado
Em beleza, e na limpeza
Como em espaço sagrado.

Referência à sua obra
É sempre pobre e pequena
Por isso apenas digo

Ó Eça! Valeu a pena.


Delfim Azevedo

segunda-feira, 23 de maio de 2016

terça-feira, 5 de abril de 2016

Eça de Queiroz



Póvoa do Varzim, 1845 - Paris, 1900


A Cidade e as Serras

Romance editado postumamente, em 1901, sem que tenha sido integralmente revisto pelo autor, onde Eça de Queirós desenvolve temáticas e estratégias já aplicadas no conto "Civilização", de 1892. A obra apresenta a evolução do protagonista, Jacinto, indivíduo de classe social elevada e extremamente rico, que, tendo vivido uma existência de tédio em Paris, apesar de rodeado por todo o conforto e por todo o tipo de inovações técnicas, se fixa na sua propriedade rural de Tormes, na serra portuguesa, encontrando aí o equilíbrio e a felicidade. Este percurso de regresso às origens assume várias conotações simbólicas e ideológicas, que têm sido amplamente relevadas e discutidas: a oposição cidade-campo; a dicotomia nacionalismo-cosmopolitismo ou francesismo; a discussão entre valores tradicionais e valores modernos (o que justificou a apropriação do romance por parte das correntes neorromânticas, que o interpretaram como um incentivo ao reaportuguesamento).

Fonte: Infopédia

terça-feira, 1 de março de 2016




Manhã Submersa é um romance um pouco triste e cruel que retrata a vida de um conjunto de seminaristas oriundos de famílias pobres ou remediadas que se encontram num beco sem saída, entre uma suposta perspectiva de vida boa mas cheia de limitações em contraste com uma suposta liberdade em más condições de vida. Seminarista à força, ou privilegiado eleito a partir de um capricho de pessoas ricas e austeras, António Borrralho sofre a obrigação de uma vocação que não sente, encurralado pela mãe que sonha com uma velhice mais confortável em virtude da prometedora carreira eclesiástica do filho, e uma tutora que o escraviza na religião mesmo em períodos de férias, benemérita que faz pagar bem alto o preço de ajudar uma família que vive na miséria.
Num mosteiro onde também a austeridade impera, por meio de regras e caprichos de padres que também têm as suas obsessões, aulas de latim apimentadas por lutas entre facções criadas pelos educadores, ambientes de isolamento mas simultaneamente de criação de um rebanho dócil de seminaristas a todo o preço, geram os mais variados tipos de angústias e sentimentos negativos, atenuados em parte por algumas amizades e também por rivalidades que distraem os rapazes do ambiente deprimente em que se encontram. As atitudes de revolta, algumas mais premeditadas, outras longamente alimentadas em silêncio e depois precipitadas, são uma constante do comportamento dos seminaristas ao longo dos vários anos que António Borralho aguenta a sua estada no seminário.

O estado emergente da adolescência, as tentações da carne a que tem que fugir a todo o custo, as provocações pérfidas e degradantes de várias pessoas entre os quais os seus antigos amigos e pessoas da família da sua tutora, indiciam um desprezo ao seu estado que o mina por fora como por dentro, que a pouco e pouco leva António a consolidar uma decisão de ruptura que o colocará de volta ao seu destino desgraçado mas liberto, preferindo a crueza da realidade á hipocrisia do meio homem sem vida. Entre as dúvidas dos amigos e as suas próprias, no descobrir da existência como homem e dos prazeres e armadilhas que a vida oferece, enleado numa teia de acontecimentos que não controla e onde se sente um joguete, a longa introspecção acaba por ser um jogo de hesitações onde só um acto repentino, irreflectido e irreversível, fruto do ódio, acaba por o colocar no caminho certo do seu destino.

 ver Fonte

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Vergílio Ferreira (1916-1996)






O orgulho não é um exclusivo dos grandes países, porque ele não tem que ver com a extensão de um território, mas com a extensão da alma que o preencheu. A alma do meu país teve o tamanho do mundo. Estamos celebrando a gesta dos portugueses nos seus descobrimentos. Será decerto a altura de a Europa celebrar também o que deles projectou na extraordinária revolução da sua cultura. Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação. Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós. E foi nessa consubstanciação que um novo espírito se formou, como foi outro o espírito da Europa inteira na reconversão total das suas evidências.
 Excerto do texto «A Voz do Mar», lido por Vergílio Ferreira em 1991, na cerimónia em que lhe é atribuído o Prémio Europália (Bruxelas).

Fonte: Ciberdúvidas


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016



Maria Rueff fala de António Lobo Antunes no dia do escritor, sessão realizada no Centro Cultural de Belém em 2013. Um testemunho emocionado de uma pessoa que o admira como escritor e como médico. Vale a pena ver!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

António Lobo Antunes



António Lobo Antunes na Web é um projecto aprovado pelo escritor António Lobo Antunes para a divulgação na internet do seu percurso literário, contendo resenhas, críticas e opinião variada sobre os seus livros, entrevistas, artigos de imprensa, citações, fotografia e vídeo. Dispõe a sua biografia cronológica actualizada, bem como a sua bibliografia.

Sobre Cartas de Guerra - Filme realizado por Ivo Ferreira e presenta ao festival de cinema de Berlim Berlinale, este fim de semana
Trailer

Artigo do Jornal público

Artigo DN

Poema - Todos os homens são maricas quando estão com gripe


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

À conversa com o Padre António Vieira




Conversa (fictícia, claro) publicada no jornal on-line Farol das Letras.

Para ler, aqui

António Vieira



O céu estrela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da lingua portuguesa,
Foi-nos um céu também

No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira nas margens do Tejo

Fernando Pessoa, in Mensagem

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Padre António Vieira


António Vieira (português europeu) ou Antônio Vieira (português brasileiro) (Lisboa, 6 de fevereiro de 1608 — Salvador, 18 de julho de 1697), mais conhecido como Padre António Vieira ou Padre Antônio Vieira, foi um religioso, filósofo, escritor e orador português da Companhia de Jesus.
Uma das mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu incansavelmente os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi).
António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.
Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e português. 

Fonte - Wikipédia

domingo, 3 de janeiro de 2016

Receita de Ano Novo


       
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade